segunda-feira, 28 de março de 2011

No tempo do avô

Quando pisava, sentia seus pés, afundarem-se um pouco. Foi assim, desde criança. Então, com um esforço que lhe era maior, puxava o pé de volta e o retirava dali. Todo passo era desse esforço, um colocar e tirar os pés, numa rigidez de postura, a do seu caminhar.

Mas não tinha escolha. Erguia a vista sempre à frente, extendida como uma ponte perpendicular, que cai sobre um seu desejo, um seu desejo, pensava, enquanto esforçava-se para retirar o pé direito que havia ficado preso junto ao chão. Era o caminhar um peso, se não fosse, aquele castelo, colado ao fundo de um tempo outro. Castelo.

Reencostado numa poltrona de couro, e com os pés para cima, próximo à lareira, ouvia do seu avô, histórias de tribos indígenas, de suas expedições às grandes florestas do mundo. As grandes florestas do mundo, ele diria, com os olhos azuis latejantes de tanta emoção. Ele diria que mergulhou em cachoeiras de quedas d’água altíssimas . E que no seu mergulho, conseguia tocar com as palmas da mão as rochas do fundo. Aquele era o seu avô. E enquanto se lembrava, nunca havia sentido suas pernas tão pesadas. Uma certa tristeza, simplesmente. Seria impossível por si mesma, caminhar tão vastas aventuras sozinha, tomar o lugar de seu avô, que não mais estava por perto.

Seu caminhar, a cada dia, a cada passo, vagarou-se, vagarou-se. Teve um dia que a palavra tomou o andar. Delicadamente, a palavra, e a fez sentir uma leveza que só. Eis que o encontro com o avô se deu de outra maneira. Sentava-se novamente, bem próxima ao avô, para ouvir suas histórias. E desta vez, podia a narrá-las.


Foi que percebeu, que o caminhar para frente só ganharia sentido na busca por um sonho que apenas por si é conhecido. Sonho que só se tem na infância, que, só se tem na infância. Ao desejo mais tenro, um caminho outro. Decidiu deixar os passos. Parada, reencostada sobre aquela, poltrona de couro herdada, continuou a escrevê-los.


Nunca mais sentiu o pesado.

Nenhum comentário: